O tokusatsu visto do porta-malas de Tarantino

Para continuar o papo sobre tokusatsu, é preciso esclarecer que, mesmo com muitos visuais inovadores e designs caprichados, o grosso da produção seriada japonesa de super-heróis é composta de monstros com cabeças desproporcionais que parecem se equilibrar sobre o pescoço, olhos que não se mexem – dando a impressão de estarmos diante daqueles coitados fantasiados de personagens Disney em frente às lojas no Natal -, não raras calças de moletom e os mais do que consagrados zíperes à mostra. Isso sem falar nos gritantes fios presos às costas dos atores em cenas de voo ou salto, nas maquetes que não convencem nem uma professora de pré-escola, entre outras capenguices. Porém, amar o tokusatsu é amá-lo não apesar disso, mas também por isso. É idolatrar o kitsch, é sentir um arrepio de emoção a cada novo recorde de cores berrantes e destoantes juntas em um mesmo uniforme.

Abraçando isso como um dos pontos centrais da cultura tokusatsu, você estará pronto para se deliciar, por exemplo, com obras-primas como “Battle Fever J”, de 79, que mostra as aventuras de um esquadrão de cinco guerreiros, cada um oriundo de uma parte do mundo (Japão, França, URSS, Quênia e EUA) e especialista em suas respectivas danças. Isso mesmo, você leu direito! Eles executam passos de dança antes e durante as lutas. Para entender o porquê da excentricidade, basta lembrar que, na época da produção, a onda disco americana, tornada mundial pelo filme “Os Embalos de Sábado à Noite” (“Saturday Night Fever”, 1977, de John Badham), ainda causava furor social. O jeito Travolta de ser e a palavra “fever” no título da série são um reflexo daquilo que não saía das mentes e dos corpos de quem era jovem no final da década de 70.

É o mesmo caso de “Goggle V” (1982), outro superesquadrão (ou super-sentai), que tinha como enfoque, desta vez, os jogos olímpicos (foi lançado na entressafra entre os Jogos de Moscou e os de Los Angeles). Ao invés de passos de dança, eles mandavam bem era na ginástica rítmica – que havia integrado as Olimpíadas de Moscou como modalidade de apresentação -, e tinham como armas aparelhos utilizados no esporte, como bambolê, fita de cetim, bola… Puro zeitgeist.

Seria injustiça, no entanto, falar somente do que o tokusatsu absorveu e esquecer-se da influência que o gênero tem exercido nos demais produtos da cultura popular ao redor do mundo. Um caso (e eu disse “caso”, não “fato”) interessante é a suposta inspiração tirada do seriado “Gaban” (ou “Gyaban”, ou “Space Cop”), de 82, pelo designer Rob Bottin para sua mais lendária criação: Robocop. Além do visual metálico-prateadão em ambos os chassis, os personagens vêm a ser também colegas de profissão. São policiais. E se você duvida que uma série televisiva japonesa, com toda sua limitação de recursos, possa ter influenciado um dos maiores ícones do cinema hollywoodiano, vamos um pouco mais para trás e um degrau acima: dê uma procurada nos sketches de Darth Vader nos primórdios de Star Wars, depois, uma olhada em Hakaider, vilão da série “Kikaider” (1972). O próprio George Lucas parece já ter admitido a inspiração. Não é de se surpreender, considerando sua paixão pela mitologia samurai japonesa.

Gaban foi vivido pelo ator Kenji Ohba, que também interpretou o Battle Kenya, do já citado “Battle Fever J”, mas tornou-se conhecido de um público alheio aos tokusatsus por ser o Cara Careca do Restaurante de Sushi de Hattori Hanzo em “Kill Bill – Volume 1” (2003, de Quentin Tarantino). Tarantino deve ter se entupido tanto de tokusatsus durante a vida (assim como de tudo de bom que a cultura pop pode oferecer) que não se contentou em colocar o célebre ator de Gaban em seu épico de artes marciais. Ele o colocou como funcionário e parceiro de Sonny Chiba (Hanzo), que, além de ser um dos maiores atores de filmes de porrada orientais que já existiu, foi o intérprete de Voicer, o pai de Gaban na série! Chiba é também fundador do Japan Action Club, grupo de preparação de dublês usado em praticamente todas as séries tokusatsu das últimas décadas.

Quem é fã de Tarantino já deve ter percebido que em quase todos os seus longas há uma cena filmada de dentro de um porta-malas. Em “Kill Bill 1”, o diretor aparentemente aproveitou a oportunidade para lançar mão de mais uma referência aos seriados japoneses, desta vez, os de superesquadrões. Beatrix Kiddo, com sua roupa colante amarela (uma das cores geralmente utilizadas pelas integrantes femininas dos sentais) com emblema no peito e capacete… Hmm…

Como o tokusatsu anda bem sumido das tevês brasileiras, o negócio é fazer a festa no You Tube. Tem um pouco de tudo lá, inclusive algumas séries completas dubladas em português. Sites especializados bem legais também não faltam. Um deles é o http://tokubrasil.com/2010/.

Então, que venham mais Tarantinos e George Lucas beber nessa fonte. E que nós estejamos sempre espertos pra localizar cada referência.

Sobre marcelobeat

Provavelmente o menos geek dos blogueiros, seu computador funciona com carvão e o girar de uma manivela que faz com que o vapor circule por toda a máquina, e sua conexão de internet consiste de um cabo amarrado a uma pipa, papagaio ou pandora. Mas ele se cansou de comprar papel almaço, então resolveu ter um blog. Comprem meu livro! "O SAFÁRI DOMÉSTICO", meu primeiro romance, está à venda pela AGBOOK, no endereço http://www.agbook.com.br/book/44234--O_Safari_Domestico
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2 respostas a O tokusatsu visto do porta-malas de Tarantino

  1. Da Pinta diz:

    Bem, rever algumas dessas séries traz não só um pouco de saudosismo, mas também, como todos dizem, uma certa desilusão…
    E não se trata de ser crítico com os efeitos especiais, que já lembrava serem mesmo muito toscos!!! A grande decepção fica mais por conta é dos enredos, cheios de furos e incoerências. Tratando-se de algo “infantil”, eu já não esperava por alguma obra-prima nos diálogos e reviravoltas da trama — Thundercats, Transformers e outros ícones da época também eram meio bobinhos. Mas, mesmo assim, acho que os japas poderiam ter caprichado um pouquinho mais!!!

  2. Oi beat!
    Eu leio sempre o seu blog.
    Já te adicionei no meu também -descobri ontem como se faz isso!

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